Primeiro, é preciso deixar claro que o festival não foi criado para se tornar a celebração máxima do idealismo hippie, da contracultura ou que quer que fosse referente à atmosfera social da época. O evento era para ser um negócio como outro qualquer, que deverias reverter em lucros para os seus organizadores. O festival sequer chegou a ser feito em Woodstock realmente - tudo aconteceu na cidade de Bethel, em Nova York, distante 65 quilômetros do local que acabou batizando o evento. Chegaram a ser vendidos 186 mil ingressos - afinal de contas, a quantidade de boas atrações era realmente impressionante, mas quando a organização viu que 350 mil pessoas a mais compareceram ao local e que outras 900 mil estavam tentando chegar ao local - o que gerou um congestionamento de 30 km - a coisa saiu do controle. Quando a turba começou a demolir as cercas em volta da fazenda, todo mundo concluiu que a entrada dessa multidão excedente deveria ser liberada, a fim de se evitar uma tragédia.
Não estou dizendo que devemos desconsiderar o festival como um momento emblemático da trajetória do rock - e, por que não dizer, da música em geral - como forma de manifestação social, mas o conceito de contracultura da época acabou se refletindo nas gerações posteriores de uma maneira tão diferentes da proposta inicial que não dá para dizer que tenha sido o marco inicial de alguma coisa. Se o filme que captou o evento, dirigido por Michael Wadleigh e editado por um então jovem nerd chamado Martin Scorsese, terminou por espalhar o tal "idealismo hippie" ao mundo inteiro, a verdade é que Woodstock foi uma descoberta caótica e desregulada de algo novo por parte de quem apenas acompanhava a música à distância. Se alguns paradigmas foram demolidos com o final do evento, estes foram certos limites, que foram expandidos e resultaram na reorganização de algumas ideias - como a universalização da música e o redirecionamento dos discursos pacifistas -, mesmo que posteriormente se mostrassem impraticáveis.
Embora tenha tornado mítico o slogan "paz e amor", o festival mostrou que havia uma enorme demanda de público para a indústria do rock e isso não passou despercebido das gravadoras, das confecções de roupas e todos os outros setores que tivessem (ou não) a ver com música. Tanto isso é verdade que, mesmo passados 40 anos, surgem no mercado novas quinquilharias referentes ao evento, como uma caixa com quatro DVDs, CDs com as trilhas originais e relançamentos de gente que tocou no festival - como Santana, Sly & Family Stone, Johnny Winter e Jefferson Airplane -, livros, camisetas e o diabo a quatro.
Para milhares de pessoas, o festival de Woodstock foi o ambiente e o contexto da tentativa de se ministrar ao mundo os poderes da paz, do amor e da música universal. É uma pena que o evento tenha falhado miseravelmente - vide o que aconteceu na versão que rolou em 1999, que acabou em incêndios, estupros e atos de vandalismo explícitos. O que restou hoje foi apenas um saudosismo barato daquilo que poderia ter sido, mas não foi."
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