O álbum de estréia da Romeo's Daughter é considerado um clássico do AOR |
Há cerca de 30 anos, o
AOR vivia dias gloriosos e os grandes lançamentos eram abundantes. Alguns
desses lançamentos se tornaram clássicos e, entre eles, está o primeiro álbum
dos britânicos da Romeo's Daughter, banda que se encontra em franca atividade (graças
aos deuses) e que estava destinada a se tornar um dos grandes nomes do estilo.
Mas a história não aconteceu como se previa.
Mesmo tendo um
tracklist fantástico, a ilustre colaboração de um dos maiores nomes do AOR
daquela época e um produtor legendário, o álbum "Romeo's Daughter"
foi engolido quase sem deixar vestígios.
Poucos anos mais tarde,
seu valor começou a ser revisto e há anos aquele trabalho é apontado como um
dos melhores da sua época e uma referência no AOR.
Com tanta coisa
cercando aquele álbum, entrei em contato com a sempre simpática Leigh Matty que
prontamente concordou em conversar sobre o trabalho que lançou a Romeo's
Daughter no universo dos bons sons.
Enjoy...
01 Neste ano, o álbum
clássico da Romeo's Daughter completa 30 anos (o tempo passou rápido!) e poucas
bandas tiveram a sorte de ter seu primeiro trabalho produzido por um grande
nome, mas vocês tiveram dois deles. O primeiro foi John Parr, um dos maiores
nomes da década de 80. Como ele se envolveu com o projeto?
Leigh Matty: Nós
conhecemos John em um evento social através de nossa empresária naquela época,
Olga Lange, e tudo se desenvolveu a partir dali. Ele estava em um intervalo
entre álbuns e tinha tempo disponível para trabalhar conosco, o que nos deixou
muito felizes!
02 Ao que me consta,
vocês gravaram quatro canções com Parr e de todas elas apenas "I Cry
Myself To Sleep At Night" foi incluída no álbum. O que você pode nos dizer
sobre as outras três?
Leigh Matty: "I
Cry Myself To Sleep At Night" surgiu a partir de outra canção que gravamos
com John, chamada "Dreams". "Wild Child" também foi criada
a partir de outra demo (não consigo me lembrar seu nome!). Nós retrabalhamos
ambas as canções mais tarde com Mutt e elas se transformaram nas canções que
acabaram no álbum.
03 Aparentemente, Parr
era muito disciplinado, esforçado e exigia sempre o melhor da banda enquanto
gravava as demos. E, pelo jeito, valeu a pena...
Leigh Matty: Na
verdade, era muito fácil trabalhar com John. Nunca havíamos trabalhado com
alguém famoso e não sabíamos o que esperar. Ele era tremendamente famoso
naquela época, já que "St. Elmo's Fire" havia sido lançada alguns anos antes de
nos conhecermos, e ficamos surpresos ao saber que ele queria fazer parte do
nosso álbum (agradecidamente surpresos!). Ele foi muito paciente conosco e
aprendemos muita coisa com ele e adoraríamos ter trabalhado juntos mais vezes,
mas não era para ser assim.
04 E aquelas demos
gravadas por John Parr trouxeram Mutt Lange. A história é bem conhecida (eu
acho), mas já que sempre há alguém que não a ouviu, por favor Leigh, conte-nos
como tudo aconteceu...
Leigh Matty: Nossa
primeira empresária era uma senhora chamada Olga Lange, que havia sido casada com
Mutt Lange no início dos anos 80. Ele era o mais ocupado (e provavelmente um
dos mais bem sucedidos) produtor daquela década e nem em nossos sonhos mais
malucos poderíamos imaginar que ele teria tempo e vontade de trabalhar conosco.
Mas ele ouviu uma demo que havíamos gravado chamada "Stay With Me Tonight" e
gostou, o que o levou a trabalhar em algumas canções.. Aquelas canções se
transformaram em sete no período de um ano, sendo que John Parr gravou outras
três. Naquela época, não imaginávamos como seria grande o impacto em nossa
sonoridade e como seria precioso para nós termos trabalhado com eles. Éramos
muito jovens e inexperientes no mundo da música e, assim sendo, tentamos
absorver o máximo possível. Quando olho para trás, vejo como tivemos sorte em
ter trabalhado com caras tão incrivelmente talentosos.
05 Mutt Lange é
conhecido por levar bandas e artistas ao limite, sempre com resultados
fantásticos. Quais as suas lembranças de ter trabalhado com ele?
Leigh Matty: Sempre
achei que Mutt era rígido, mas muito paciente e prestativo. Mas deve ter sido estranho para ele trabalhar com músicos tão desconhecidos e inexperientes como
nós três éramos, mas ele foi muito gentil e nos ensinou muito. Nós até nos
mudamos para sua casa por um tempo, para gravarmos em seu próprio estúdio. Ele
tinha uma ética de trabalho maravilhosa, que significava começar a trabalhar
toas as manhãs por volta das 10 horas até tarde da noite, para que não houvesse
nada do 'estilo de vida rock and roll' envolvido. Seu tempo era precioso, já
que havia uma série de artistas querendo trabalhar com ele quando o trabalho
conosco terminasse, então tudo foi feito muito rapidamente.
06 Rumores dão conta de
que Mutt exige 110% dos vocalitas com quem trabalha. Como as coisas aconteceram
com você? Essa reputação é verdadeira?
Leigh Matty: Ele tinha
a reputação de não gostar de trabalhar com vocalistas mulheres mas eu nunca
senti que ele não havia reconhecido o quanto eu me esforcei para conseguir o
vocal que ele esperava de mim. Às vezes, eu estava exausta depois de passar
horas dentro da cabine de gravação, mas tudo valeu a pena. Ele é um ótimo
vocalista e sempre sabia exatamente o que queria da minha performance. Eu
lembro ter sido uma experiência positiva para mim (e ele nunca me fez chorar!).
07 Quão diferente foi
trabalhar com John Parr e Mutt Lange?
Leigh Matty: Creio que
John era mais divertido e tranquilo que Mutt. Nós costumávamos rir muito e John
era muito divertido, se me lembro bem. Eu acho que ficávamos mais a vontade
trabalhando com ele do que com Mutt, mas ambos foram fantásticos, cada um a sua
maneira.
08 Ambos trabalharam
juntos em duas canções:"I Like What I See" e "Don't Break My
Heart". Deve ter sido educativo vê-los trabalhando em conjunto...
Craig Joiner, Leigh Matty e Toni Mittman: o núcleo da Romeo's Daughter, circa 1988 |
Leigh Matty: John e
Mutt trabalharam juntos em "Dont Break My Heart", apesar de a demo
ter sido gravada originalmente com Mutt. Nós gravamos "Inside Out",
"Colour You A Smile" e "I Like What I See" com John, apesar
de Mutt ter colaborado com backing vocals naquelas canções.
09 Deve ter sido
intimidador trabalhar com um sujeito como Mutt Lange. Não apenas ele produziu o
álbum, mas também se envolveu com as composições. Como foi adaptar o seu estilo
de compôr ao dele?
Leigh Matty: Foi muito
intimidador, mas também incrivelmente inspirador, já que estávamos todos
iniciando na carreira. Ele nunca nos deixou desconfortáveis e tudo o que
aprendemos com ele permanece conosco até hoje.
10. E até onde sei a
banda não tinha um nome mesmo com o álbum já pronto e foi Mutt Lange quem os
batizou Romeo's Daughter, nome tirado de uma linha da canção "I Cry Myself
To Sleep At Night". Como foi aceitação do nome por vocês?
Leigh Matty: A escolha
do nosso nome foi muito difícil. Ninguém conseguia decidir como deveríamos nos
chamar e, de repente, o álbum estava sendo masterizado e a arte precisava
começar a ser trabalhada e tínhamos dois dias para decidir! Acredito que Mutt
sugerir Romeo's Daughter foi uma bênção naquele momento. Nós nós apegamos ao
nome. É um nome incomum e tenho muito orgulho dele.
11 Então, havia esse
ótimo álbum de AOR, com canções fantásticas e produção impecável, ingredientes
de uma receita certa para o sucesso. Mas sabemos que não foi exatamente assim
que tudo aconteceu. Onde as coisas deram errado?
Leigh Matty: Bem, é
como dizem: 'timing é tudo!' Basicamente, perdemos o trem por um ano, creio eu.
Na época em que o álbum estava pronto para ser lançado em '88, a música que
estava sendo tocada no rádio tinha mudado drasticamente e o mundo todo se
preparava para loucura que seria o grunge. Nós realmente lutamos para termos
nossas canções tocadas por qualquer das principais rádios aqui no Reino Unido e
fomos melhor recebidos nos Estados Unidos e resto da Europa, mas mesmo lá, as
coisas estavam mudando rápido. Fomos mal aconselhados pela nossa empresária e
pela gravadora para que não fizéssemos uma tour naqueles países, então nunca
construímos um público em shows grande o suficiente para que pudéssemos crescer
como deveríamos. Se tivéssemos a chance de fazer tudo outra vez, as coisas
seriam muito diferentes.
12 Em 2007, falando
sobre o álbum, Craig Joiner disse que algumas pessoas não entenderam que tipo
de banda a Romeo's Daughter era, sendo classificada como "muito leve para
ser rock e muito pesada para ser pop". Você concorda que a banda não foi
devidamente promovida?
Leigh Matty: Sempre
tivemos a impressão que não fomos propriamente aceitos como uma banda de rock e
que éramos 'rock demais' para sermos considerados pop, então acabamos presos
entre os dois estilos, o que foi muito ruim para nós. E não era muito comum uma
banda ter uma vocalista naquela época, especialmente no Reino Unido, então
acredito que também éramos vistos como uma novidade. Ainda, nossa gravadora na
época achava que, pelo simples fato de termos Parr e Mutt envolvidos, seríamos
um grande sucesso e por isso não nos promoveram tanto quanto outras bandas de
seu cast.
13 Bem, com o passar
dos anos o álbum provou ter uma excelente coleção de canções AOR, tão verdade
que três delas foram regravadas no início dos anos 90: o Heart escolheu
"Wild Child", já Eddie Money ficou com "Heaven In The
Backseat", enquanto Bonnie Tyler e Chrissy Steele deram novas
interpretações a "I Cry Myself To Sleep At Night". Não ficou um gosto
amargo ao ver outros artistas terem sucesso com canções gravadas por vocês há
pouco tempo?
Leigh Matty: Sim e não!
Foi uma grande honra ter nossas canções regravadas por aqueles grandes artistas
e a versão de "Wild Child" é a melhor delas para mim. Nós até
assistimos o Heart tocá-la em Wembley no início dos anos 90 e foi surreal ouvi-los
tocar sua versão daquela canção. Nós ainda encerramos nossos shows com ela e eu
sempre menciono que é nossa canção e não do Heart (risos). É claro que teria
sido ótimo se nós tivéssemos tido o mesmo sucesso que eles, mas chegamos perto!
14 E falando sobre canções,
há muito material inédito ou inacabado das sessões de gravação do primeiro
álbum?
Leigh Matty: Há muito
material inédito e inacabado daquela época e algumas daquelas canções foram
usadas no nosso segundo álbum. Mas nós sempre buscamos olhar para frente e
usamos material novo em nossos dois trabalhos mais recentes,
"Rapture" e "Spin".
15 Finalmente, em
retrospecto, como você vê "Romeo's Daughter" hoje, 30 anos depois? E
como você vê a banda no atual cenário AOR?
Leigh Matty em ação com a Romeo's Daughter em 2015, durante o HRH AOR Festival |
Leigh Matty: Eu olho
para o passado com orgulho e amor. Sei que nunca atingimos as alturas que o
álbum talvez merecesse, mas isso nunca me incomodou. Eu sou muito grata por ter
estado no lugar certo e na hora certa para conhecer Craig e Tony e por ter tido
a oportunidade de ter gravado um álbum que acabou sendo tão querido por tanta
gente.Aquele trabalho definiu minha vida e tenho muito orgulho de ter sido
parte dele.
Leigh, foi uma honra
conversar novamente contigo. Desejo à você e à banda todo o sucesso que vocês
tanto merecem e que tenhamos muito material da Romeo's Daughter chegando no
futuro. As portas da AORWatchTower estão sempre abertas à vocês...
Leigh Matty: Muito
obrigado, Juliano, pelo convite para falar sobre o álbum e pelo seu apoio
contínuo ao longo dos anos. É sempre um prazer falar com a AORWatchTower.
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